Isso porque só existe UX quando há pesquisa e validação direta com os usuários. Portanto, prototipar as telas de um produto e iniciar o desenvolvimento sem envolver os usuários na verdade não é UX. Saber implementar o processo de UX no desenvolvimento é um grande desafio e exige uma mudança de cultura do time e suas lideranças, que nem sempre estão abertas e dispostas a se adaptar.
Por isso, este artigo tem como objetivo trazer a visão de como os processos se complementam de forma contínua durante as fases do desenvolvimento e vida do produto.
Mas afinal, o que é UX?
UX ou User Experience – em português, experiência do usuário – é o resultado da interação de um usuário com um determinado produto, seja ele físico ou digital. A experiência do usuário pode ser positiva ou negativa dependendo de diversos fatores, como por exemplo: se os usuários obtêm sucesso ao realizar as tarefas utilizando esse produto, quais dificuldades eles têm ao realizá-las, quanto tempo eles levam para realizá-las e, até mesmo, o visual pode contar para definir uma boa ou má experiência. Sendo assim, todo produto gera uma UX, mesmo aqueles que não possuem um profissional dedicado em seu time.
Segundo a pesquisa de 2020 “What skills does the workforce value most?”, do Linkedin, o UX Design está em 5º lugar no ranking de habilidades mais requisitadas pelas empresas na próxima década. Isso porque a área é extremamente estratégica para empresas que brigam por visibilidade, presença online e fidelização de seus clientes.
E não é só isso. O Design centrado no usuário visa estudar e conhecer os clientes e suas necessidades a fim de encontrar oportunidades de negócio ainda não exploradas, evitar desperdícios e poupar recursos. É uma excelente estratégia para criar produtos e serviços de qualidade.
Apesar do grande crescimento da área nos últimos anos no Brasil, o UX ainda pode ser considerado uma novidade para a maioria das empresas e suas lideranças, até mesmo para aquelas que já possuem times especializados em estudar e desenhar a experiência de seus usuários. Isso acontece, pois, muitas vezes, o UX não é implementado de forma correta, o que impede de atingir resultados que podem chegar a mais de 400% do retorno do investimento na área.
UX em Times Ágeis
Como citado anteriormente, o UX pode trazer resultados excelentes para as empresas, não só pela experiência dos usuários, mas, também, como uma poderosa ferramenta de redução de custo operacional dos projetos.
Quando falamos em desenvolvimento de produtos digitais, as metodologias mais utilizadas hoje são as Metodologias Ágeis. Elas são chamadas assim devido à rapidez com que as empresas obtêm aprendizados e redirecionam as estratégias do seu produto se necessário. É por essa velocidade de aprendizado que o UX vem sendo cada vez mais presente no desenvolvimento de produtos.
Um time especializado em UX existe para identificar e validar os comportamentos e necessidades dos usuários e, com isso, obter aprendizados de uma forma que antes só era possível após o lançamento do produto no mercado.
As pesquisas e testes tornam o desenvolvimento mais seguro e enxuto e, graças a esses aprendizados recolhidos de forma prévia a esta etapa, o time de negócio consegue direcionar os recursos para ideias que têm mais probabilidade de aceitação dos usuários e, assim, mais retorno para o negócio.
Esses aprendizados podem ser gerados de diversas formas: através de pesquisas com formulários, entrevistas com usuários, mapeamento de fluxos, testes com protótipos navegáveis ou dezenas de outras metodologias que melhor se encaixem no cenário da empresa.
Maturidade de UX
Apesar do crescente número de empresas investindo em UX, na maioria das vezes, a implementação dessa área ainda é feita de forma equivocada, o que acaba comprometendo o resultado esperado da equipe, ou pior, não gerando nenhum resultado relevante.
Isso ocorre pelo fato de as empresas acreditarem que ter uma pessoa de UX discutindo boas práticas, desenhando telas e direcionando o time de desenvolvimento na construção das interfaces é o bastante para garantir uma boa experiência. A verdade é que, sem pesquisas e testes com os usuários, a opinião de um especialista em UX não passa de uma hipótese não validada, que oferece tanto risco quanto qualquer outra, por mais experiente que o profissional seja.
Para criar uma boa experiência e alcançar todo o potencial da implementação do UX, a empresa precisa estar preparada para abraçar a cultura do desenvolvimento centrado no usuário. A construção de uma boa experiência é um processo que depende de algumas etapas e da interação com os outros profissionais envolvidos no desenvolvimento do produto.
Quanto mais maturidade em relação à cultura do desenvolvimento centrado no usuário a empresa tiver, mais etapas do processo de UX estarão presentes no processo de desenvolvimento e, desse modo, maior o retorno do investimento na área.
A Nielsen Norman Group, líder mundial em experiência de usuário baseada em pesquisa, criou um framework com 6 níveis de maturidade de UX para ajudar as empresas a entenderem em que estágio se encontram, trazendo alguns insights para quem deseja aumentar sua maturidade em relação à experiência dos usuários.
Os 6 estágios de maturidade são:
1. Ausente: o UX é inexistente ou ignorado.
2. Limitado: o trabalho do UX é raro, feito de forma aleatória e sem importância.
3. Emergente: o trabalho do UX é funcional e promissor, mas feito de forma inconsistente e ineficiente.
4. Estruturado: a organização tem uma metodologia semi
sistemática relacionada à UX que é generalizada, mas com graus variáveis
de eficácia e eficiência.
5. Integrado: o trabalho do UX é abrangente, eficaz e difundido.
6. Centrado no usuário: a dedicação ao UX em todos os níveis leva a insights profundos e resultados excepcionais de Design centrado no usuário.
O artigo também cita 4 fatores ligados à maturidade de UX de uma organização. São eles:
1. Estratégia: liderança de UX, planejamento e priorização de recursos.
2. Cultura: conhecimento em UX, cultivo de carreiras e crescimento dos praticantes.
3. Processo: o uso sistemático de pesquisa de UX e metodologias de Design.
4. Resultados: definir e medir intencionalmente os resultados produzidos pelo trabalho de UX.
Framework UX Ágil
Pensando nas empresas que ainda não possuem a cultura do desenvolvimento orientado ao usuário, o framework UX Ágil nasceu como um guia de implementação do processo de UX. Ele sugere algumas etapas e atividades que permitam ao time conseguir aumentar a eficiência de todas as etapas do desenvolvimento.
O UX Ágil é composto por 3 etapas: Discovery, Planejamento e Desenvolvimento. Esta última, por sua vez, é dividida em outras 6 etapas contínuas: Lean Discovery, Refinamento, Prototipação, Testes de Protótipo, Desenvolvimento de Código e Testes de Código.
As Etapas do UX Ágil
1. Discovery
UX sem pesquisa com usuários não é UX. O Discovery tem como objetivo recolher informações sobre o cenário e contexto do produto, conhecer seus potenciais usuários, comportamentos, atividades realizadas e pontos de dor. Nessa etapa, o time de pesquisa também tem a oportunidade de estudar os concorrentes e documentar seus pontos fortes e fracos para transformar a experiência dos usuários em um diferencial competitivo.
Os aprendizados recolhidos no Discovery são compilados e apresentados para todos os times durante a etapa seguinte, a Inception, a fim de melhorar o entendimento do time sobre o que foi levantado nas pesquisas.
2. Planejamento
2.1. Lean Inception
A Inception é a etapa em que o time se reúne para idear o produto que será construído, juntamente com suas jornadas e funcionalidades.
Nessa fase, é utilizada a Lean Inception. Criada por Paulo Caroli, a Lean Inception é um workshop colaborativo de 5 dias que utiliza diversas ferramentas que ajudam os times de negócio, produto e desenvolvimento a definir os objetivos, jornadas, funcionalidades e a sequência de desenvolvimento do Produto Mínimo Viável (MVP) e seus incrementos.
Além do entendimento do time sobre o produto e seus objetivos, a Lean Inception gera artefatos importantes para as próximas etapas do projeto: o sequenciador de funcionalidades e o Canvas MVP.
2.2. Definindo as Formas de Trabalho
Após a Lean Inception, a etapa de Definição das Formas de Trabalho (Ways of Working) reúne o time para alinhar como serão conduzidas as etapas de desenvolvimento, como, por exemplo, a cadência das Sprints, a agenda de reuniões, as definições de preparado (Definition of Ready), definições de pronto (Definition of Done) e as responsabilidades de cada membro do time.
2.3. Construção do Backlog
Na Construção do Backlog, é utilizada a metodologia Product Backlog Building (PBB), criada por Fábio Aguiar. O PBB é um workshop com o objetivo de organizar em forma de canvas o Backlog do Produto, trazendo suas funcionalidades, itens e Histórias de Usuário.
Aqui, gosto de utilizar um modelo de visualização de Backlog parecido com o de Story Map. Esse modelo traz as funcionalidades levantadas na Lean Inception, os itens gerados no PBB e as descrições das Histórias de Usuário. Essa visualização também facilita identificar onde o produto tem sido incrementado e onde existem oportunidades de melhoria ainda inexploradas.
3. Desenvolvimento
3.1. Lean Discovery
Diferente da etapa de Discovery inicial, aqui o time de pesquisa precisa se adaptar ao cenário ágil e à escassez de tempo e até de recursos. Para isso, é necessário identificar previamente quais itens do backlog oferecem risco para o produto. Podemos citar como exemplo uma solução para pagamento de uma loja online, onde um dos principais questionamentos é: “Qual a forma de pagamento que os usuários mais utilizam para esse tipo de compra?”.
E, a partir desse questionamento, surgem algumas hipóteses: “Cartão de crédito? Débito? PIX?”.
Somente a validação com os usuários pode nos trazer a resposta correta. Qualquer decisão não apoiada em dados é uma suposição, que pode se tornar um grande prejuízo no futuro caso ela esteja errada.
Além do prejuízo de desenvolver uma funcionalidade sem valor para o usuário, existe, ainda, o prejuízo de refazer toda uma funcionalidade do zero. A boa notícia é que esse risco pode ser evitado com pesquisas prévias antes das tomadas de decisões críticas.
Então, se antes a suposição era de que os usuários preferem pagar utilizando o cartão, o Lean Discovery pode descobrir que, na verdade, 90% dos usuários preferem o PIX como método de pagamento. Com isso, é identificada uma grande oportunidade de rever as regras de negócio para evitar um doloroso desperdício de tempo e recurso.
3.2. Refinamento de Histórias de Usuário
Nesta etapa, o time de pesquisa apresenta o resultado da pesquisa ágil relacionada a uma funcionalidade específica para a PO (Product Owner), que refina essa funcionalidade em itens menores conhecidos como Histórias de Usuário. O processo de criação das Histórias é baseado no modelo usado por Fábio no PBB.
As Histórias de Usuário possuem uma descrição que nos traz a persona, a ação que ela precisa realizar e o resultado que se espera alcançar com essa ação. Contém, também, os cenários, critérios de aceitação e as tarefas detalhadas o suficiente para gerar uma estimativa mais precisa por parte dos times de Design e Desenvolvimento.
Além do time de pesquisa, é importante a participação dos Designers para trazer as boas práticas de usabilidade para as Histórias, já que algumas regras de negócios podem impactar diretamente na experiência dos usuários. Eles também desenvolvem os wireframes (protótipos de baixa fidelidade) para confirmar a viabilidade técnica e validam com os usuários o fluxo de navegação, ajudam a prever requisitos e regras que, frequentemente, são esquecidos no refinamento, como, por exemplo, fluxos de recuperação de erro e estados vazios, o que pode impactar diretamente no custo e prazo do desenvolvimento do produto.
3.3. Prototipação
Nesta etapa, com as Histórias e requisitos já refinados, o time de Design tem tudo o que precisa para prototipar as interfaces. É muito importante a comunicação constante entre Designers, Product Owners e desenvolvedores para a validação da viabilidade técnica do que está sendo sugerido nos protótipos, assim como a validação para o negócio.
3.4. Testes de Protótipos
Os testes podem ser conduzidos tanto pelo time de UX Design quanto pelo time de pesquisa e têm como objetivo ser uma espécie mais enxuta de homologação, validando com os usuários não só o visual, mas, também, a experiência, a intuitividade, os fluxos de navegação e regras de negócio, o que reduz consideravelmente o custo que seria gerado por possíveis retrabalhos de desenvolvimento.
3.5. Desenvolvimento de Código
Agora, finalmente com as hipóteses validadas, refinadas, prototipadas e testadas, é a hora dos desenvolvedores darem vida ao produto ou funcionalidade específica. A essa altura, os riscos de desenvolver uma funcionalidade sem valor para os usuários ou com problemas de usabilidade são bastante reduzidos.
Além disso, ferramentas de prototipação como o Figma, por exemplo, otimizam o trabalho dos desenvolvedores front-end, pois já geram boa parte do código CSS necessário nos componentes.
3.6. Testes de Código
Antes de lançar o incremento ou funcionalidade do produto, os Analistas de Qualidade elaboram planos, cenários e roteiros de testes para identificar não conformidades na arquitetura e modelagem do produto e também são responsáveis por criar e carregar massas de dados para os testes.
Graças ao modelo de História de Usuário do PBB, que são orientadas ao comportamento (BDD), aqui os cenários e resultados já estão bem definidos e os analistas conseguem aproveitá-los.
Além disso, os roteiros de testes de qualidade podem se basear nos roteiros dos testes de usabilidade feitos anteriormente pelo time de UX, já que o fluxo de navegação e atividades são as mesmas.
Caso identificados problemas de qualidade no código, esses ajustes são feitos na própria Sprint ou repriorizados no Backlog pela PO.
Ciclo Contínuo de Desenvolvimento
É importante lembrar que um produto digital nunca estará pronto. O comportamento dos usuários e suas necessidades tendem a mudar com o tempo e seu produto precisa se adaptar rapidamente a essas mudanças.
Sendo assim, é preciso manter as 6 etapas do desenvolvimento contínuo para que o time de pesquisa permaneça descobrindo novas oportunidades e o time de Design e desenvolvimento recomece todo o ciclo de desenvolvimento de melhorias. Só assim, o desenvolvimento de um produto se mantém orientado aos usuários.
Diferencial
Saber quando e como os processos se conectam é um grande diferencial para qualquer profissional da área de tecnologia. Conhecer de forma macro as etapas faz com que a adaptação e a eficiência do time melhore rapidamente.
Além disso, a boa maturidade de UX em lideranças permite o
entendimento da importância das atividades de cada etapa, criando,
assim, uma implementação sem ruídos de todo processo de UX, o que
aumenta ainda mais o retorno do investimento na área.
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